Publicação do jornal “Brazil”, em dezembro de 1891, por ocasião da ida de sua Gerência ao Ministro da Justiça, José Higino:
Quanto à imprensa, declaramos ao Ministro José Higino, que ainda mais razão de queixa tínhamos do seu Governo que dos que o haviam precedido na República, com efeito o Provisório trucidou o livre jornalismo político em 23 de dezembro de 1889, com o Decreto 85-A, e a ditadura Lucena decretou o estado de sítio, as medidas foram tirânicas, não há dúvida, mas francas.
Diante delas só havia o calar, mas o atual Governo assegura a liberdade, e tolera nas ruas a masorca ameaçando a imprensa, o comércio e a pedir cabeças de adversários e deste modo a imprensa, já completamente domesticada, festejava a deportação ou o encarceramento de jornalistas e se porventura ousava refugar, levantando a cerviz, logo se via coberta de jornalistas baldões e intimada à costumeira resignação.
Se há conspirações, Sr. Ministro, dissemos, e a isto S.Ex.a. atalhou observando que nunca falara em conspiradores, cumpra o Governo a sua obrigação, vigiando, colhendo provas e punindo os culpados segundo as leis do País, onde, porém, a demonstração das acusações vagas do Sr. Lucena contra os monarquistas? E outro não é o sistema agora seguido pelos amigos do Governo.
No terreno da propaganda ou nos deixam a liberdade, ou não haverá democracia, e à República de V.Exa., dissemos: “somente se pode consolidar sendo honesta e tolerante”, o que tivemos a aquiescência do Sr. Ministro José Higino e dissemos, “V. Ex.a é um homem de bem, nós o reconhecemos, mas já estamos vendo que não pode incutir em seu Governo a tolerância de que ele necessita para subsistir”.
A tudo isto, que o Sr. Dr. José Higino nos fez o obséquio de ouvir, a contestou que, realmente, deplorava o que assim levávamos ao seu conhecimento, que ainda não tinha lido o “O Brazil”, que o Governo, sem ostentar legalidade, muito estimaria fazê-la respeitar, mas que lutava com as maiores dificuldades pelo estado de anarquia em que encontrara o País, e não podia reprimir o elemento das arruaças.
— “V. Exa., atalhávamos, confessa então a impotência do Governo para garantir o livre exercício da imprensa oposicionista e a existência ameaçada de vários cidadãos?!”
Aqui o Ministro José Higino, em cuja simpática fisionomia líamos o conflito entre a sua consciência e a sua difícil posição oficial, entrou em retificações para dizer, em suma, que o Governo não era de todo impotente para a repressão das turbulências e crimes, mas estava sumamente embaraçado para efetuá-la.
Então, e visivelmente penetrado pela boa razão que nos assistia, pediu-nos que lhe indicássemos o que desejávamos fosse feito para garantir o nosso direito, oferecendo-se para mandar guarnecer o nosso estabelecimento com forças da polícia.
Declinamos da Oferta.
Perguntou-nos então o que queríamos que fizesse o Governo.
— Não nos ponha V. Ex.a, respondemos, na situação de ensinar à pessoa tão ilustrada os seus deveres governamentais e se o Governo quisesse, ou pudesse, tais coisas não se fariam; mas desde que ele com menosprezo do próprio Exército, da Armada e da Guarda Nacional, de que V.Exa. é o chefe, como Ministro da Justiça, tolera que se armem fanáticos e se constitua a intimidação sistemática, só resta aos oprimidos darem a V.Exa. o presente que ela almeja: a paz de Varsóvia.
Com estas palavras nos despedimos do honrado Ministro, que em nosso espírito deixou a impressão de uma notável e triste bondade
— triste pela perfeita noção de que deve fazer o bem e de que se acha na impossibilidade de o realizar.
Esta é a verdade: o Governo, ou pelo menos o elemento são que o constitui, está de braços atados diante da masorca triunfante.
Que fazer?
Como jornalista, cessar a publicação de O Brazil.
Chefe do partido com que fantasiosamente nos gratifica a imaginação acesa dos desordeiros, nós tocaríamos a rebate e chamaríamos a postos os nossos amigos para o terreno aonde somos provocados.
Mas o monarquismo não é um partido e sim uma aspiração nacional.
Nestas condições, como discutir com quem não nos deixa falar? Como opor o argumento ao tiro ou à punhalada? Como ter em constante perigo a vida dos nossos colegas e dos honestos operários que conosco trabalham?
Ceder à força não é desdouro. Quem se desonra é a força injusta e prepotente.
A República em todas as suas fases tem sido a perseguição da imprensa. Aquela bandeira imposta pela violência é um símbolo. Pela escalada e pela vozeria é que esta democracia pretende vencer a opinião adversa.
Nos debates do jornalismo temos sempre sido antagonista intransigente, mas prezando-nos de cortesia e deferência para com as alheias convicções. Se ganhamos terreno, é porque defendemos a boa causa, a da religião contra o filosofismo e a da liberdade contra a tirania, ou esta se chame o “Vinte e três” com Bocaiúva, ou “Estado de sítio” com Lucena, ou “Legalidade” com Floriano.
O Governo, que não demonstra com fatos a sua eficácia para a repressão do tumulto e das arruaças, perde mais do que nós com a supressão desta folha. Não há um único homem de bem que nos atribua o pensamento de retrair-nos quando pudéssemos escrever livremente. Se nos calamos, é que o “Terror” se fez auxiliar da República.
Quanto aos nossos respeitáveis amigos, membros, como nós, da comissão indicada pelo povo para tributar à memória do Sr. Pedro II , a solene demonstração a que ela havia direito, se daqui lhes pudéramos dar algum conselho, seria que de tal se abstivessem.
Já não há nem liberdade para publicamente orar pelos nossos amigos!
Retraiam-se, como nós, para tranqüilizar os homens da situação, e não tornar mais difícil o inglório papel dos Poderes Públicos neste desgraçado País.
E que, mais solenes do que estas poderiam ser as exéquias do tolerante e magnânimo Imperador! Forçoso será reconhecer que com ele pereceram as nossas liberdades cívicas!”
Realmente dissolveu-se a comissão, alguns de cujos membros tiveram de, foragidos, evitar as correrias da Capital, a “folha” monarquista não mais apareceu e a “Legalidade” estreava-se bem e isto foi a construção do Governo de Floriano Peixoto.
A esse grande criminoso não permitiu a Providência que sossegado gozasse do fruto da sua dupla traição.
A IMPRENSA NA REPÚBLICA CARLOS DE LAET
A 19 de janeiro de 1892 estourava na fortaleza de Santa Cruz uma sedição capitaneada pelo intrépido Segundo Sargento do 1º Batalhão de Engenheiros, Silvino Honório de Macedo, a qual somente com muito sangue pode ser abafada; e nesse mesmo dia energicamente rompia em oposição um órgão republicano, “O Combate”, que no alto da folha assinalava como seu redator-chefe o Sr. Dr. Lopes Trovão, então ausente do Rio, mas que para aqui voltando resignou a perigosa honra do jovem Pardal Mallet e a 10 de abril de 1892, dava-se uma tentativa de sublevação, e no dia imediato promulgava Floriano Peixoto, o seu primeiro estado de sítio.
Se as exéquias do Sr. Pedro II, a juízo do Governo, constituem um perigo para a estabilidade das instituições republicanas, o que ao mesmo Governo competia era declará-lo francamente, proibindo-as, caso em que nenhum dos honrados membros da comissão, muito dos quais já foram homens políticos, duvidaria obedecer às ordens da autoridade. Permiti-las, porém, e tolerar que sob as vistas do Ministério se arme um grupo de fanáticos para perturbá-las, revivendo no regime da “legalidade” o processo dos suspeitos”, certamente importa no mais formal descrédito da respeitabilidade governamental e dos nossos foros de Nação regida constitucionalmente.
Em verdade, tendo o “Jornal do Commercio” atribuído justas e graves censuras ao ministro interino da Fazenda, Major Serzedelo Corrêa, relativamente à cunhagem de moedas de níquel, em cujo fabrico não se observavam as prescrições legais, e que portanto eram falsas, logo, em boletins afixados nas esquinas, foi o povo convidado para uma reunião no Largo de São Francisco de Paula, a fim de “exigir as satisfações que o artigo do “Jornal do Commercio” estava a reclamar”.
Realizou-se efetivamente a reunião, com aquiescência da policia; depois do que um grupo, não pouco numeroso, dirigiu-se à redação daquele órgão e ali, numa entrevista menos amistosa, haveria provocado conflito, se não tivera sido a calma, aliás digna, dos jornalistas ameaçados, ao mesmo tempo injuriosos pasquins se pregavam por toda a Rua do Ouvidor relembrando triste fato da mocidade de um dos próceres do “Jornal do Commercio”. O Governo tumultuava e pasquinava, impaciente de censuras.
Mas não era tudo, ou antes ainda faltava o pior.
Rebentou a revolta naval, a 6 de setembro de 1893.
Longe de nós a temerária pretensão de divagarmos sobre esse campo de carnificina, onde com muito mais verdade que no teatro de outras lutas menos ferozes, entristecidos avistamos os “lagos de sangue, tépidos, impuros”, a que alude o épico do “Uruguai”.
Em tão medonha conflagração compreende-se o que teria sido a imprensa. Quando Congresso, povo, funcionalismo, operários, clero, magistratura, corporações docentes, comércio e indústria, tudo enfim, flexível se vergava sob a dura luva de ferro do Vice-presidente, investido de todos os poderes, “inclusive” de fuzilar paisanos, que odioso decreto equiparava aos militares para a sumária punição dos implicados na revolta da Esquadra, bem se deixa ver como não se dobraria o jornalismo, a quem uma República de cinco anos incompletos já desensinara a soberbia de outros tempos.
Nem mesmo se lhe deixou a liberdade do noticiário sem comentários e era considerada sediciosa a notícia de qualquer desastre das forças do Governo. Intimado por um delegado de polícia para submeter-se a tal regime, o “Jornal do Commercio” declarou que de então por diante se absteria de ocupar-se com as operações militares que se estavam a realizar na baía do Rio de Janeiro e em suas cercanias. Nada mais razoável, desde que lhe não deixavam dizer as coisas como eram: mas bastou para que de temível perseguição começasse a ser objeto o seu proprietário e chefe, Dr. José Carlos Rodrigues, que só não foi preso graças ao asilo que se lhe deparou no humanitário lar de nobre estrangeiro, o Engenheiro Antonio Jannuzzi.
Mais tarde manobrou o Governo de Floriano para se apoderar do grande órgão, servindo-se para isto do Banco da República, a cuja testa se achava o Sr. Rangel Pestana, e que era um dos credores do “Jornal do Commercio”, mas um empréstimo público, rapidamente coberto, e talvez também certa rivalidade entre próceres republicanos, cada um dos quais porfiava em dirigir a opinião sob o liberalíssimo regime do Marechal-de-ferro, puseram óbices a essa indigna tentativa, que aliás ao Sr. Rodrigues parece ter ensinado, não o horror da tirania, mas a conveniência de tê-lo por suserana.
A “Gazeta de Noticias” que, consoante ao processo de vime da fábula, vivia acurvada desde os primeiros sopros do tufão revolucionário, apesar do máximo zelo que punha em não desagradar ao tirano, passou pelo desgosto de ver suspensa sua publicação, por ordem superior, de 27 de novembro de 1893 ao 1º de janeiro do ano seguinte.
Já em 27 de setembro tinha o Governo proibido que se imprimissem o “Correio da Tarde” e a “Gazeta da Tarde”. A 30 de novembro chegava ao “Echo du Brésil” a intimação do silêncio. Igual sorte houveram o “Apóstolo” e o “Rio News”, que nobremente haviam cumprido seu dever, aquele destruindo as aleivosas balelas de “O Paiz”, e o outro revelando ao mundo o que da liberdade se fizera neste canto da América. Nestas páginas de tantas ignomínias devem ficar assinalados, como de homens independentes, os nomes do padre Loreto, hoje falecido, e do Sr. Lamoureux, redatores que foram dos citados periódicos. O “Rio News” foi suspenso a 6 de dezembro de 1893; e o “Apóstolo”, depois de alguma interrupção, pertinaz reaparecia sob o titulo “Estreila”, posto que amordaçado, como não podia deixar de ser. Tripudiava o liberalismo republicano. Para onde quer que lançasse os olhos, o Governo sucessor do de Pedro II só via lábios grudados pelo medo, frontes submissas, e jornalistas coactos ou genuflexos.
Para legalizar esse belo estado de coisas foi expedido o Decreto nº 1565 de 13 de outubro de 1893, referendado pelo Dr. Fernando Lobo, e tendo por fim regular a liberdade de imprensa durante o estado de sítio. Por suprema irrisão dispunha o art.1º, que era livre a manifestação do pensamento pela imprensa, sendo garantida a propaganda de qualquer doutrina, mas logo vinham os parágrafos explicativos das restrições. Ficou sendo proibido:
Fazer publicações que incitassem a agressão estrangeira, ou pudessem aumentar a comoção interna e excitar a desordem; defender qualquer ato contrário à independência, integridade e dignidade da Pátria, à Constituição da República e forma de governo, ao livre exercício dos poderes políticos, à segurança interna da República, à tranqüilidade pública; publicar a respeito da revolta da Esquadra, notícias que não tivessem sido comunicadas pelo Governo Constitucional, ou que não tivessem essa origem; comunicar ou publicar documentos, planos, desenhos e quaisquer informações com relação ao material ou pessoal de guerra, às fortificações e às operações e movimentos militares da União ou dos estados; e apregoar as notícias, fatos ou assuntos, verdadeiros ou falsos, contidos nas publicações que se oferecessem à venda ou se distribuíssem gratuitamente.
Com tal sistema não havia remédio senão pensar como o Governo, e o rigor na execução dessas medidas assegurava a mais patética unanimidade.
No meio de tudo isto atulhavam-se os cárceres e entre os inúmeros detentos figuravam não poucos homens de imprensa. Na Casa de Correção, transformada por decreto em prisão política ou Bastilha da República, estiveram, por exemplo, o gerente da Cidade do Rio Arthur Reynaldo Guimarães; Baldomero Carqueja Fuentes, repórter do Jornal do Commercio; o General-de-brigada Honorato Cândido Ferreira Caídas, arrastado à cadeia por causa de um artigo que estampara na “Cidade do Rio”, Cássio A. Farinha, João Ferreira Serpa Júnior, Luiz Ferreira de Moura Brito, proprietário da Gazeta da Tarde, e muitíssimos outros.
Os que a tempo conseguiam escapar, viviam homiziados como grandes criminosos. A casa do Sr. Antônio Jannuzzi, conceituadíssimo arquiteto italiano, foi varejada por suspeitar-se que lá se escondera um jornalista, e o digno estrangeiro teve de explicar-se perante a polícia, onde a sua hombridade lhe tivera valido amargos dissabores, se não o amparasse a condição de notável estrangeiro.
Outros corriam para fora do Brasil, buscando na Europa ou na Argentina a segurança que lhe era denegada na antiga Pátria da liberdade da imprensa. O Sr. Rui Barbosa, coagido a ocultar-se para salvar a vida, e casualmente sob o mesmo teto a que também se acolhera outro homem de imprensa, o Sr. Aníbal Falcão, teve de pedir abrigo à legação inglesa, que desumanamente recusou, e a uma nação americana, que lhe facultou os meios de passar-se à República Argentina.
E razão de sobra havia para que assim à perseguição se subtraissem os suspeitos, porque na praia de Sepetiba foi “legalmente” assassinado um pobre homem, cujo único crime consistia em sua semelhança fisionômica com o Sr. José do Patrocínio, a quem raivosamente procuravam por toda parte; nem jamais oficialmente se explicou que fim teve Plácido de Abreu, que a tradição popular diz haver sido covardemente assassinado no Campinho, para onde fora levado como prisioneiro.
O que vicejava alimentada pela sangueira e pelas emissões clandestinas de papel-moeda, era a imprensa réptil cuja violência de linguagem excedera todos os limites.
“Essa imprensa — expõe o Sr. Dr. Joaquim Nabuco — excluídas pequenas folhas, era composta do Paiz, do Tempo e do Diário de Notícias. Este último, pouco lido, não exercia influência alguma. Alguns de seus números são, entretanto, preciosos espécimes da literatura revolucionária da época. . . O Tempo, de maior circulação, escrito com estilo Fouquier, Tinville e Pêre Duchêne, representava o elemento forcené da situação.
Neste último órgão, um desatinado cuja insensatez deveria terminar pelo atentado de 5 de novembro de 1897, o famoso Deocleciano Martyr, estampava diariamente listas de suspeitos que destarte, indigitava aos beleguins do Marechal ou à fúria homicida dos patriotas. Nem se guardavam deferências para com as senhoras: no citado livro do Sr. J. Nabuco recorda-se o trecho de um artigo do Diário de Notícias, onde o Sr. Dr. Lopes Trovão sugeriu a idéia de trucidar-se a Ex.ma Sra. Maria Antonietta Saldanha da Gama, por ser cunhada do contra-almirante revoltoso, e homônima da malograda esposa de Luiz XVI.
A “nota de timbre intelectual” no meio desse coro de “vozes roucas e estridentes” foi reconhecida pelo Sr. J. Nabuco no estilo do Sr. Eduardo Salamonde, que lhe mereceu uma página de fina crítica literária. Para o nosso intuito não servem tais apuros de criticismo. Sabemos todos que dos criptogramas alguns há que ostentam variegados matizes e contextura delicadíssima. Demais ninguém vá com isso iludir-se acreditando, sob palavra, no aticismo do português de nascimento que punha sua pena ao serviço do nativismo antilusitano. De Latino Coelho disse alguém que ele era um estilo à procura de um assunto. Do principal redator de O Paiz, nessa época (não aludimos ao decadente e já eclipsado Q. Bocaiuva) o mais que se pode adiantar é que tem sido uma frase à cata de uma tirania.
Quando na pavorosa entrosagem dos “estados de sítio” já tinham sido esmagadas todas as veleidades de resistência; quando, suprimida a imprensa e toda e qualquer liberdade de pensamento a dignidade nacional descera muito abaixo dos antigos escravos sob os mais rudes fazendeiros; quando a delação transformada em meio de vida acabara por conspurcar mesmo a dulcíssima confiança da vida em família; finalmente, quando, muito a contragosto, Floriano Peixoto transmitia o Poder ao Sr. Prudente de Moraes, revelando todo o seu despeito na postergação das mais elementares demonstrações de cortesia— a Nação respirou como quem acorda de um pesadelo, e timidamente entraram a gorjear nas ramagens os pássaros do jornalismo, ainda receosos do gavião que tomara o vôo.
Iniciava-se o primeiro Governo Civil da República: mas estava escrito que para a liberdade de imprensa não valeria mais do que os outros.
A República em todas as suas fases tem sido a perseguição da imprensa. Aquela bandeira imposta pela violência é um símbolo. Pela escalada e pelos discursos é que esta democracia pretende vencer a opinião pública.
Joaquim Nabuco
Palavras de Joaquim Nabuco em relação à Imprensa:
“Essa imprensa, excluídas pequenas folhas, era composta do “Paiz”, do “Tempo” e do “Diário de Notícias”. Este último, pouco lido, não exercia influência alguma. Alguns de seus números são, entretanto, preciosos espécimes da literatura revolucionária da época”.
D. Pedro II sempre fez questão de que a imprensa fosse livre. Ela devia ser combatida por meio da própria imprensa, e não a fazendo calar: “Os seus abusos, puna-os a lei, a qual não convém que continue ineficaz, como até agora”.
Em 1871, antes de viajar para a Europa, D. Pedro II escreveu algumas instruções para sua filha, a Princesa Isabel, que assumiria a Regência durante a sua ausência. Aí se encontram observações sobre a liberdade de imprensa, com o seguinte teor: “Entendo que se deve permitir toda a liberdade nestas manifestações da imprensa e de qualquer outro meio de exprimir opiniões, quando não se dêem perturbações da tranqüilidade pública, pois as doutrinas expendidas nessas manifestações pacíficas, ou se combatem por seu excesso ou por meios semelhantes, menos no excesso. Os ataques ao Imperador, quando ele tem consciência de haver procurado proceder bem, não devem ser considerados pessoais, mas apenas manejo ou desabafo partidário”.
O desvelo do Imperador pela integral observância da liberdade de imprensa, como de algumas outras liberdades que ele desejava assegurar com a mais escrupulosa meticulosidade, valeram-lhe naturalmente aplausos calorosos de personalidades públicas e privadas afeitas aos princípios do liberalismo. Mas causaram também desacordo e até estranheza da parte de outras personalidades, que argumentavam, com base em numerosos exemplos históricos, em favor de uma aplicação comedida dos princípios constitucionais de inspiração liberal. Pelo seu procedimento liberal, D Pedro II recebeu a alcunha de “Pedro Banana”.
Foi o Segundo Reinado, da maioridade à república, o único período da história pátria em que a imprensa exerceu a sua missão sem entraves preparados para lhe cercear ou suprimir legalmente a liberdade. Quem ler as coleções de jornais antigos da Biblioteca Nacional, chegará à conclusão de que nunca a imprensa gozou de tanta liberdade como durante o longo reinado de D. Pedro II.
Com a república, encerrou-se um período único na história da imprensa brasileira, pois em 49 anos de reinado, não houve estado de sítio nem se votou qualquer lei especial contra a liberdade de imprensa, isso porque D. Pedro II não o permitiu. Caberia à república criar peias às liberdades que a monarquia amparou, protegeu e preservou, dando prova de que isso é possível, e de que, mesmo com a aparência de um erro, pode uma sociedade organizar-se, viver e engrandecer-se sem o recurso à violência, à tirania ou à ilegalidade.
“JORNAL DO BRASIL” em 08 de dezembro de 1891“Jornal do Comércio”Jornalista Carlos de Laet
D. Pedro II
Observação à afirmação do Jornalista Carlos de Laet
Apreciações severíssimas à República Presidencialista
Discurso de 14 de dezembro de 1920
Monteiro Lobato e a República
Pelo jornalista republicano José Veríssimo:
“Neste País, todos os que têm a honra de empunhar uma pena convencida e honesta por modesta que seja, reconhecerão que jamais, durante o longo reinado, tiveram que deixá-la cair por falta de liberdade, ou sequer de iludir ou velar o seu pensamento. Todos pensávamos como queríamos, e dizíamos o que pensávamos”.
A partir do dia 01 de outubro de 1893 até o dia 14 de novembro de 1894, véspera da posse de Prudente de Morais na Presidência da República, o “Jornal do Brasil” deixou de circular, em virtude de censura imposta pelo governo do Vice-Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, porque o Governo achava que o Jornal era favorável à “Revolta da Armada”, movimento militar irrompido a 06 de setembro de 1893, contra o ditador Floriano Peixoto, e cujos participantes foram clientes de um “Habeas Corpus”, impetrado por seu Diretor, Ruy Barbosa, que primeiramente se exilou na Argentina e depois na Inglaterra, só retornando ao Brasil em 1895.
“Gazeta de Notícias”
O redator-chefe, Ferreira Júnior, afirmou:
“Em nenhum país se poderia achar mais liberdade que as que de fato existem no Brasil. Tudo é lícito dizer na imprensa, na tribuna, contra a política, contra a Magistratura, contra o Governo, contra o Imperador. Há leis contra o abuso destas liberdades, mas essas leis nunca regularmente se aplicam, e para muitos casos não há leis especiais”.
Proposta do redator-chefe:
“Aqueles que nos últimos quarenta anos têm vivido na imprensa, não deixarão de pedir que se lhes reserve espaço na lápide comemorativa para que possam gravar esta verdade – Nunca a livre expressão do pensamento, a liberdade da imprensa, teve mais convencido, mais enérgico, mais constante defensor do que o Imperador do Brasil, D. Pedro II”.
Afirmação do Jornalista Carlos de Laet por ocasião da implantação da República
“Estendeu-se sobre o País um enorme emplastro adesivo”.
Para explicar a adesão de antigos e zelosos monarquistas ao novo governo.
“Isso que ora se dá em nossa Pátria, sempre se deu e se há de dar em todos os séculos e em todas as nações. Que sol nascente deixou jamais de produzir calor e movimento? Deve-se julgar os homens pelo que eles são realmente, e não pelo que desejamos ou sonhamos que sejam. Feliz a consciência onde a recordação de todos os atos de um simples dia, calmo e normal, não projetar alguma sombra de dúvida! O novo regime surgiu revestido de aparato, apoiado na força pública, rico de recursos que lhe deixamos, fértil em esperanças e valiosas promessas. O modo inopinado como a mudança se efetuou feriu as imaginações, atribuindo-lhe foros de maravilhoso. Daí o magnetismo que ele exerce, perfeitamente explicável”.
Ruy Barbosa e a República
Homenagem do “Jornal do Commercio em 1895
Ao retornar do exílio
Afirmações do Estadista Ruy Barbosa na ocasião:
“Nunca advoguei a república. Antes a declarei intempestiva”.
Sinceramente monarquista era eu, a esse tempo. Não por admitir preexcelências formais desse ao outro sistema de governo, mas porque a Monarquia Parlamentar, lealmente observada, encerra em si todas as virtudes preconizadas, sem o grande mal da República, o seu mal inevitável”.
Em relação à República Presidencialista diz Rui Barbosa:
“Obrigado a escolher para a república inevitável, a mais satisfatória das formas, há um regímen, ao qual eu não daria jamais o meu voto, porque esse é o mais tirânico e o mais desastroso dos regimes conhecidos: a República Presidencial com a onipotência do Congresso; o arbítrio do Poder Executivo, apoiado na irresponsabilidade das maiorias políticas; a situação autocrática, em que se coloca, neste sistema, o Chefe do Estado, se ao seu poder e aos dos partidos que ele encarna se não opuser a majestade inviolável da Constituição escrita, interpretada, em última alçada, por uma magistratura independente”.
Campanha eleitoral de 1919
“Outros tempos desbancaram o ranço dessas futilidades. As belezas do presidencialismo brasileiro escorraçaram dos augustos laboratórios da legislação republicana o talento, a eloquência e a verdade, baixaram, de legislatura em legislatura, naqueles recintos consagrados à caricatura de soberania nacional, o nível da capacidade e do decoro, da independência e da respeitabilidade, poluíram a vida parlamentar de chagas inconfessáveis, de segredos tenebrosos, de pústulas vergonhosas e máculas sem nome.
Mas a nossa revolução estabeleceu o silêncio. A República aferrolhou, trancou, e chapeou a porta, por onde entrara, não sei se para que por ela também a não pusessem, algum dia, no olho da rua. As formas do novo regímen mataram a palavra. Deixaram o mecanismo das instituições legislativas. Mas, acastelando o governo em um sistema cabal de irresponsabilidade, emancipando-o totalmente dos freios parlamentares, reduziram a tribuna a um simulacro de locutório, insulado no vazio.
A Nação não houve o que dali se diz; porque o que dali se diz, não tendo autoridade alguma, nenhum prestígio, nenhum eco, nenhuma repercussão pode ter. Com o governo parlamentar as Câmaras Legislativas constituem uma escola. Com o Presidencialismo, uma praça de negócios”.
Liga de Defesa Nacional
Ao discursar em 14 de dezembro de 1920 na sede da Liga de Defesa Nacional, Rui Barbosa, que trinta anos antes redigira o decreto de banimento da Família Imperial, faz um discurso de louvor ao ex-Imperador, que volta a chamar de D. Pedro II e neste discurso, chama a revolução republicana de ditadura de 15 de novembro.
“Esses aplausos não são tão-somente meus. Uma voz da alma energicamente me diz que são também dos meus companheiros na ditadura de 15 de novembro. Eles asseguram presentemente a revogação desse ato obedecendo à justiça como assinaram outrora a sua decretação (o banimento) obedecendo à necessidade. O banimento do senhor D. Pedro II e dos seus não foi um ato de proscrição. Foi um elemento de segurança para as cabeças do regime extinto. Não era, porém, lícito segregá-lo da Pátria, senão enquanto estivesse por se consolidar o novo regime. Muito há que ele se acha consolidado. Há muito, portanto que se devia ter dado essa reparação. Tardou. Os partidos, os políticos lhe recusaram tirando-lhe assim ao seu Rei a mais gloriosa das coroas”.
Monteiro Lobato também deixou à posteridade documentos que dizem respeito ao regime instalado no Brasil em 15 de novembro de 1889 e um deles é citado abaixo:
“A 2 de dezembro nasceu, a 5 de dezembro faleceu D. Pedro II. Quem foi este homem que não deixou lembranças neste País? Apenas um Imperador que reinou apenas durante 50 anos...Tirano? Despótico? Equiparável a qualquer facínora coroado? Não. Apenas a Marco Aurélio.
A velha dinastia bragantina alcançou com ele esse apogeu de valor mental e moral que já brilhou em Roma, na família Antonina, com o advento de Marco Aurélio. Só lá, nesse período feliz da vida romana, é que se nos depara o sósia moral de D. Pedro II.
O fato de existir na cúspide da sociedade um símbolo vivo e ativo da honestidade, do equilíbrio, da moderação, da honra e do dever, bastava para inocular no País em formação o vírus das melhores virtudes cívicas.
O Juiz era honesto, se não por injunções da própria consciência, pela presença da honestidade no Trono. O político visava o bem comum, se não por determinismo de virtudes pessoais, pela influencia catalítica da virtude imperial. As minorias respiravam, a oposição possibilitava-se: o chefe permanente das oposições estava no trono. A justiça era um fato: havia no trono um juiz supremo e incorruptível. O peculatário, o defraudador, o político negocista, o juiz venal, o soldado covarde, o funcionário relapso, o mau cidadão, enfim, e mau por força de pendores congeniais, passava, muitas vezes, a vida inteira sem incidir num só deslize. A natureza o propelia ao crime, ao abuso, à extorsão, à violência, à iniquidade – mas sofreava as rédeas aos maus instintos a simples presença da equidade e da justiça no Trono.
Ignorávamos isso na Monarquia.
Foi preciso que viesse a República, e que alijasse do Trono a força catalítica para patentear-se bem claro o curioso fenômeno.
A mesma gente, o mesmo Juiz, o mesmo político, o mesmo soldado, o mesmo funcionário até 15 de novembro honesto, bem intencionado, bravo e cumpridor dos deveres, percebendo, na ausência do imperial freio, ordem de soltura, desaçamaram a alcatéia dos maus instintos mantidos em quarentena. Daí, o contraste dia a dia mais frisante entre a vida nacional sob Pedro II e a vida nacional sob qualquer das boas intenções quadrienais que se revezam na curul republicana.
O “Alagoas” levava a bordo a luz importuna, a luz que empatava. E começou a revista de ano que há trinta anos diverte o País.
Que diverte, mas que envenena.
Que envenena e arruína.
O que havia de cristalização social dissolve-se, volta ao estado de geléia.
Sucedem-se na cena os atores, gingam-se as mesmas atitudes, murmuram-se as mesmas mensagens, reeditam-se eternas promessas.
As cenas do ano de 1900 desenroladas na Capital da República, durante a última epidemia, são “os noves fora nada” da obra de 15 de novembro. A máquina governamental, caríssima, não funciona nos momentos de crise. Não é feita para funcionar, senão para sugar com fúria acarina o corpo doente do animal empolgado.
De norte a sul o povo lamuria a sua desgraça e chora envergonhado o que perdeu”.
Atanagildo Barata Ribeiro
Poeta, Escritor, Professor e
Oficial da Marinha de Guerra
O Oficial da Armada Imperial e Engenheiro Construtor Naval, Atanagildo Barata Ribeiro, declarado Guarda-marinha em 04 de dezembro de 1866, combatente da Guerra do Paraguai e agraciado no grau de Cavaleiro, com o Hábito da Imperial Ordem da Rosa, medalha da Campanha do Paraguai e a medalha de Alto Valor e Constância da República Argentina e várias outras pela sua atuação nesta guerra, cita em seu livro escrito na prisão em 1894, e editado em 1895, “Sonho no Cárcere”, o seguinte:
“As revoluções... são sempre o procduto genuíno dos mais nobres sentimentos, brado legítimo de protesto contra as mais nefastas tyrannias...Foram dellas que nasceram as sábias reformas produtoras dos progressos humanos... e as Constituições, que robusteceram os organismos populares...foi por sua vez dellas que se originaram todas as tyirannias e foi também de seu seio que foram atirados à face das Nações os monstros executores de attentados e crimes que tem enlameado certas épocas da história da humanidade!...nasceram as inquisições e anarchismos, que tem depauperado os organismos populares...
O Brazil nunca passou nem está passando por uma revolução popular; mas tão somente por uma fermentação do gênero destas, e conseqüentemente das mais nocivas ao seu desenvolvimento material e moral!..Se este povo, portanto, manteve-se com certa decência affectando virtudes que não possuía ou comprehendia foi devido à superioridade de espírito do Monarca, que pelo facto casual, mas para elle desastrado, de ter n’este, deserto da América do sul, teve a loucura de dedicar-lhe uma existência inteira de affectos, trabalhando para o seu progresso e felicidade, ensinando-lhe o caminho da honra pelo exemplo da mais ilibada probidade e pelo exercício das mais acrisoladas virtudes!
Esse estado de coisas, porem não podia durar muito. Os soffrimentos desse nobre ancião, obrigando-o a ausentar-se da Pátria por longos períodos de tempo, foi pouco a pouco entregando este povo aos seus próprios instinctos...à futura Imperante, que infelizmente ainda não detinha as energias necessárias a que tem o dever de assumir tão culminante posição social... Enfraquecido pela moléstia... o desrespeito a esse direito foi a porta aberta a todos os abusos, a todas as offensas à Lei e à Justiça...foi então que até os Ministros da Regência começaram a commetter actos que se não peccavam francamente deshonestos, causavam pelo menos esse geral reparo e indignação que soem attrahir sobre si as acções governamentaes a que deichou de presidir toda lisura.
Foi então que os Corpos Militares, que tinham a pretensão de representar a supremacia nacional e de serem seus únicos deffensores, começaram também a se impor aos governos... das mais absurdas exigências ao poder público... foi abdicando vergonhosamente de suas prerrogativas, com grande prejuízo para sua força moral...Há muito finalmente que o abuso de uma mal definida liberdade, habituando o povo...impellira-o insensível e fatalmente ao estado de anarchia, para repressão da qual torna-se quase sempre indispensável aos governos adoptar o funesto e selvagem regimem do despotismo!
Foi n’esse estado geral de exarcebação de espíritos, que foi chamado para tomar conta das rédeas do governo um dos nossos mais illustrados estadistas, o Exmo. Sr. Visconde de Ouro Preto. Para tanto sobravam-lhe certamente o prestigio que lhe davam seus ennumeráveis serviços públicos e a robustez de sua intellectualidade e conhecimento, os quaes o haviam imposto à Coroa para tão culminante posição social;e sobravam-lhe ainda a energia que emana da consciência de uma vida dedicada ao exercício de todas as virtudes cívicas; mas faltavam-lhe por sua vez o machiavelismo e a calma, indispensáveis para o estabelecimento da única força que poderia então abafar os desmandos da época-a temporização.-
Ouro Preto não era, portanto, o estadista talhado para aquelle período de effevercência moral.
Abafar o problema social que se ia avolumando, por uma solução ao prompta ao problema financeiro que o havia despertado, devia ser e foi incontestavelmente o primeiro cuidado d’esse notável estadista.
Era, porem, tarde demais.
O pequeno núcleo de republicanos que existia, não podia deixar passar o momento feliz da fermentação que se elaborava no seio do povo, e que procurava robustecer insuflando contra os governos as iras das guarnições militares d’esta Capital. Entre elles, alguns desejavam, é certo, a república pela república, mas queriam-na feita pelo povo, e quando pela marcha natural dos acontecimentos terminasse o segundo reinado: são os ainda perfeitamente reconhecíveis pelos paletós surrados com que os veio encontrar este- novo estado de coisas- a que outros que almejavam-na pelo amor ao poder e aos cofres da nação denominaram impropriamente de “República”- esses illustres desconhecidos de todos os tempos e de todos os partidos, e actualmente os homens notáveis, os influentes políticos, os capitalistas da época, esses enfim, que a queriam a todo transe , mesmo quando, levantada como foi, sobre a lápide ensangüentada do brasileiro que mais amor e sacrifícios dispensou a este país, - o Sr. D.Pedro de Alcântara...O movimento de 15 de novembro de 1889, portanto, que só fora combinado para derribar um ministério que havia incorrido no desagrado da força armada, não podia parar n’isso, e por isso que não satisfazia as ambições dos pregadores d’esses direitos e liberdades populares!
Era mister banir na Nação, aquelle que sem se ter jamais intitulado- guarda do thesouro- não permittia contudo que o assaltassem, pela força que resultava de sua ilibada conduta e de suas virtudes cívicas...Estava triunphante a almejada república dos... novos guardas do thesouro, dos restauradores, enfim, da fortuna pública!
Deodoro era o seu presidente, dirigia-lhe os Negócios do Interior o immortal Aristides Lobo; Bocayuva e Glycério retalhavam o corpo d’este excelso gigante e outros finalmente sugavam-lhe o sangue!...Desde a queda da dictadura Deodoro, que se converteu o governo em verdadeira-Calamidade Nacional- merecendo, portanto, não só a execração pública, mas a todo o mundo civilizado!
O regimem do despotismo iniciado pela usurpação do cargo de Presidente da República, e aliás sanccionado por uma câmara de inconscientes, continuou sua marcha triumphal pelos Estados, com exclusão do Estado do Pará, derrubando a ferro e fogo, Governadores, Constituições e Corpos Legislativos e Judiciários e accentuou-se mais desfaçadamente reformando, ao primeiro brado de indignação, os treze Officiaes Generaes do Exército e Marinha, authores d’elle, e deportando-os mais tarde, conjunctamente com alguns representantes da Nação (10 de abril), sob pretexto de uma revolução que “coube toda n’um bond”, como tão bem a definiu o Senador Dr. Ruy Barbosa.
Pouco depois explodiu a heróica Revolução do Rio Grande do Sul, e por último a da Esquadra em 6 de setembro de 1893, que determinou o contínuo estado de sítio, durante o qual se desenvolveu a série de attentados de que o público só teve uma noção vaga, por terem sido as folhas que criticavam o Governo, ou suspensas, ou reduzidas a publicarem somente o que lhes permittisse a Polícia; e só ficarem campeando as únicas mantidas pelo erário público para endeosarem os crimes do Governo! ”
“Gazeta da Tarde”
Carta publicada em 13 de julho de 1895
De Atanagildo Barata Ribeiro para o proprietário do Jornal
Em 7 de julho de 1895, o então Primeiro Tenente da Armada Imperial Atanagildo Barata Ribeiro, em carta dirigida ao proprietário do Jornal “Gazeta da Tarde”, seu companheiro de prisão, Sr. Moura Brito, a qual foi publicada em 13 do mesmo mês, relata a tristeza pelo passamento do Almirante Luis Felipe de Saldanha da Gama.
“Meu caro amigo e companheiro de infortúnio Sr. Moura Brito.
Quando a dor me avassala o espírito, embota-me também a mentalidade.
O passamento de Saldanha da Gama abismou-me o espírito. O amigo bem sabe que eu não tinha somente a prantear pelo grande herói caído como um atleta, coberto de glórias no campo de batalha, e como sempre ilesa a honra de soldado. Meu coração não tinha de enlutar-se somente pela perda do ilustre guerreiro que, depois dos combates, ia pensar com toda a caridade e gentileza seus prisioneiros feridos, com o olhar sempre empanado pelo pranto que ao mesmo tempo derramava sobre a memória daqueles que inditosamente caiam prisioneiros das forças “legais”, e cujo fim era o assassinato irresponsável.
Não era somente por uma glória da Marinha de Guerra que eu, como companheiro de classe, tinha de carpir; nem finalmente pelo irmão nas lutas contra o Governo do Paraguai, ou mesmo pelo Marinheiro que constituiria uma honra para qualquer marinha do universo, ou pelo filho, adorno de qualquer mãe Pátria, que devia sangrar-me o coração como brasileiro, ao ver desaparecer para sempre da face da terra o cavalheiro e soldado, o invencível Almirante Luiz Felipe de Saldanha da Gama.
Não: um outro sentimento, menos grande talvez, porém ao certo mais delicado e terno, enviuvou-me o espírito, empanou-me as luzes do cérebro, saudade dolorida de um companheiro e velho camarada de infância, a que o coração se habituara a amar com felicidade, como a um irmão, pela delicadeza do trato, pela nobreza nas ações e pela magnitude na nobreza.
Era mister, portanto, carpi-lo e muito. Era mister ver-lhe o níveo sepulcro regado, como tive a ventura de o ver, pelo pranto de quanto há de nobre nesta nossa inditosa Pátria, para que, um pouco apaziguado em minha dor, voltasse-me, como ora me volta, a faculdade de ação, para poder assim dirigir ao amigo a presente, com que viso dois intuitos bem diferentes, mas complementares, protestar contra o que de inverdade com que mais uma vez, abusando-se da geral consternação, se pretendeu iludir esta população e lançar sobre a memória de Saldanha da Gama, mais uma lágrima sincera e sentida, ambos, protesto e lágrima ser-lhe-ão gratos.
É simples o protesto:
Em trabalho que brevemente darei à publicidade, claramente demonstro que o número de Oficiais da Armada que pegaram em armas para defender o Governo do Marechal Floriano Peixoto não excedeu de sete por cento proximamente de sua totalidade e no entanto o “O Paiz”, descrevendo a cerimônia de transladação do corpo do mesmo Marechal, afirma que entre as grinaldas que lhe ornavam o féretro, havia uma com a inscrição – “Da Marinha de Guerra Republicana”!
Pondo de parte a minha individualidade que, pelo que concerne, quer às crenças políticas quer à posição de reformado que tenho na Armada atualmente, ficaria dispensada do presente, pergunto:
Entre os Oficiais que ofertaram essa grinalda, figurariam acaso os que tomaram parte na revolução de 6 de setembro, os que se escusaram então a servir ao Governo, e os que estiveram presos, como eu, na Casa de Correção desta Capital e outros presídios políticos, por suspeitos de revolucionários ou de adeptos à revolução?!
Sendo certo que não, e uma vez que os Oficiais que ofertaram tal grinalda, por modéstia, nobreza d’alma, ou prodigalidade para com os seus companheiros de classe, tinham resolvido não orná-la, como merecia, com seus dignos e preclaros nomes, parece-me que, devendo ela exibir-se em público, teria sido mais lógico que lhe indicassem a origem com o título: Dos Oficiais da Marinha do Marechal Floriano Peixoto, ou melhor ainda, do Salvador da República, pois que assim evitando-se quaisquer dúvidas, dar-se-ia, outrossim, a César o que a César de direito.
Nada disso, porém, se tendo dado, sem dúvida por estarem tão distintos quão bravos Oficiais atravessando uma quadra de indulgências, é meu dever o presente, pois, se nada tinha que ver no tocante a modéstia desses ilustres cavalheiros, podia contudo atingir-me imerecidamente sua prodigalidade, como membro que sou da Marinha de Guerra e filho também desta grande república.
E já que resolvi recolher-me, com esse protesto, à humildade da minha posição, vem aqui também a propósito declarar-lhe mais, que esse Dr. Barata Ribeiro, que em santa romaria, lá se foi por sua vez à casa da família do Marechal Floriano Peixoto para apresentar-lhe sua condolências pelo passamento de tão grande morto, não é o desconhecido e obscuro signatário destas linhas.
Eu quando quero venerar a memória de um ente que prezei a vida, tenho por hábito limitar meu procedimento a assistir os atos religiosos que se lhe mandam celebrar pelo eterno repouso, e deixando assim de cumprir a obrigação, ou cerimônia da visita de pêsames, sujeito-me sem protesto ao epíteto de selvagem, que aliás já pesa sobre mim, por ser oriundo do Brasil.
Sirva de prova o procedimento que tive para com a família do meu falecido amigo Saldanha da Gama, a qual, aliás, era-me talvez mesmo dever a visita a que aludo, quando mais não fosse, para demonstrar-lhe gratidão pelos carinhos dispensados por aquele seu nobre parente a um sobrinho meu, filho desse mesmo Dr. Cândido Barata Ribeiro, quando seu prisioneiro e ferido.
Assim clareada a confusão que por acaso se pudesse dar sobre o autor de tão caridosa visita, e exarado o meu protesto relativamente à grinalda, peço ao meu amigo que, dando publicidade a presente, conceda-me mais o favor de inserir em sua conceituosa Folha os sonetos juntos, que dedico à memória do meu inditoso irmão de armas, o invicto Almirante de Saldanha da Gama.
Será mais um favor ao amigo obrigado.
Atanagildo Barata Ribeiro