A IMPRENSA NA RECÉM
INSTALADA REPÚBLICA
Publicação do jornal
“Brazil”, em dezembro de 1891, por ocasião da ida de sua Gerência ao Ministro
da Justiça, José Higino:
Quanto à imprensa, declaramos ao Ministro José Higino, que ainda mais razão de
queixa tínhamos do seu Governo que dos que o haviam precedido na República, com
efeito o Provisório trucidou o livre jornalismo político em 23 de dezembro de
1889, com o Decreto 85-A, e a ditadura Lucena decretou o estado de sítio, as
medidas foram tirânicas, não há dúvida, mas francas.
Diante delas só havia o calar, mas o
atual Governo assegura a liberdade, e tolera nas ruas a masorca ameaçando a
imprensa, o comércio e a pedir cabeças de adversários e deste modo a imprensa,
já completamente domesticada, festejava a deportação ou o encarceramento de
jornalistas e se porventura ousava refugar, levantando a cerviz, logo se via
coberta de jornalistas baldões e intimada à costumeira resignação.
Se há conspirações, Sr. Ministro,
dissemos, e a isto S.Ex.a. atalhou observando que nunca falara em
conspiradores, cumpra o Governo a sua obrigação, vigiando, colhendo provas e
punindo os culpados segundo as leis do País, onde, porém, a demonstração das
acusações vagas do Sr. Lucena contra os monarquistas? E outro não é
o sistema agora seguido pelos amigos do Governo.
No terreno da propaganda ou nos
deixam a liberdade, ou não haverá democracia, e à República de V.Exa.,
dissemos: “somente se pode consolidar sendo honesta e tolerante”, o que tivemos
a aquiescência do Sr. Ministro José Higino e dissemos, “V. Ex.a é um homem de
bem, nós o reconhecemos, mas já estamos vendo que não pode incutir em seu Governo a
tolerância de que ele necessita para subsistir”.
A tudo isto, que o Sr. Dr. José
Higino nos fez o obséquio de ouvir, a contestou que, realmente, deplorava o que
assim levávamos ao seu conhecimento, que ainda não tinha lido o “O Brazil”,
que o Governo, sem ostentar legalidade, muito estimaria fazê-la respeitar, mas
que lutava com as maiores dificuldades pelo estado de anarquia em que
encontrara o País, e não podia reprimir o elemento das arruaças.
— “V. Exa., atalhávamos, confessa
então a impotência do Governo para garantir o livre exercício da imprensa
oposicionista e a existência ameaçada de vários cidadãos?!”
Aqui o Ministro José Higino, em cuja
simpática fisionomia líamos o conflito entre a sua consciência e a sua difícil
posição oficial, entrou em retificações para dizer, em suma, que o Governo não
era de todo impotente para a repressão das turbulências e crimes, mas estava sumamente
embaraçado para efetuá-la.
Então, e visivelmente penetrado pela
boa razão que nos assistia, pediu-nos que lhe indicássemos o que desejávamos
fosse feito para garantir o nosso direito, oferecendo-se para mandar guarnecer
o nosso estabelecimento com forças da polícia.
Declinamos da Oferta.
Perguntou-nos então o que queríamos
que fizesse o Governo.
— Não nos ponha V. Ex.a, respondemos,
na situação de ensinar à pessoa tão ilustrada os seus deveres governamentais e
se o Governo quisesse, ou pudesse, tais coisas não se fariam; mas desde que ele
com menosprezo do próprio Exército, da Armada e da Guarda Nacional, de que
V.Exa. é o chefe, como Ministro da Justiça, tolera que se armem
fanáticos e se constitua a intimidação sistemática, só resta aos oprimidos darem
a V.Exa. o presente que ela almeja: a paz de Varsóvia.
Com estas palavras nos despedimos do
honrado Ministro, que em nosso espírito deixou a impressão de uma notável e
triste bondade
— triste pela perfeita noção de que deve fazer o bem e de que se acha na
impossibilidade de o realizar.
Esta é a verdade: o Governo, ou pelo
menos o elemento são que o constitui, está de braços atados diante da masorca
triunfante.
Que fazer?
Como jornalista, cessar a publicação
de O Brazil.
Chefe do partido com que fantasiosamente
nos gratifica a imaginação acesa dos desordeiros, nós tocaríamos a rebate e
chamaríamos a postos os nossos amigos para o terreno aonde somos provocados.
Mas o monarquismo não é um partido e
sim uma aspiração nacional.
Nestas condições, como discutir com
quem não nos deixa falar? Como opor o argumento ao tiro ou à punhalada? Como
ter em constante perigo a vida dos nossos colegas e dos honestos operários que
conosco trabalham?
Ceder à força não é desdouro. Quem se
desonra é a força injusta e prepotente.
A República em todas as suas fases
tem sido a perseguição da imprensa. Aquela bandeira imposta pela violência é um
símbolo. Pela escalada e pela vozeria é que esta democracia pretende vencer a
opinião adversa.
Nos debates do jornalismo temos
sempre sido antagonista intransigente, mas prezando-nos de cortesia e
deferência para com as alheias convicções. Se ganhamos terreno, é porque
defendemos a boa causa, a da religião contra o filosofismo e a da liberdade
contra a tirania, ou esta se chame o “Vinte e três” com Bocaiúva, ou “Estado de
sítio” com Lucena, ou “Legalidade” com Floriano.
O Governo,
que não demonstra com fatos a sua eficácia para a repressão do tumulto e das
arruaças, perde mais do que nós com a supressão desta folha. Não há um único
homem de bem que nos atribua o pensamento de retrair-nos quando pudéssemos
escrever livremente. Se nos calamos, é que o “Terror” se fez auxiliar da
República.
Quanto aos nossos respeitáveis
amigos, membros, como nós, da comissão indicada pelo povo para tributar à
memória do Sr. Pedro II , a solene demonstração a que ela havia direito, se
daqui lhes pudéramos dar algum conselho, seria que de tal se abstivessem.
Já não há nem liberdade para
publicamente orar pelos nossos amigos!
Retraiam-se, como nós, para tranqüilizar
os homens da situação, e não tornar mais difícil o inglório papel dos Poderes
Públicos neste desgraçado País.
E que, mais solenes do que estas
poderiam ser as exéquias do tolerante e magnânimo Imperador! Forçoso será
reconhecer que com ele pereceram as nossas liberdades cívicas!”
Realmente dissolveu-se a comissão,
alguns de cujos membros tiveram de, foragidos, evitar as correrias da Capital,
a “folha” monarquista não mais apareceu e a “Legalidade” estreava-se bem e
isto foi a construção do Governo de Floriano Peixoto.
A esse grande criminoso não permitiu
a Providência que sossegado gozasse do fruto da sua dupla traição.
A IMPRENSA NA REPÚBLICA
CARLOS DE LAET
A 19 de janeiro de 1892 estourava na
fortaleza de Santa Cruz uma sedição capitaneada pelo intrépido Segundo Sargento
do 1º Batalhão de Engenheiros, Silvino Honório de Macedo, a qual somente com
muito sangue pode ser abafada; e nesse mesmo dia energicamente rompia em
oposição um órgão republicano, “O Combate”, que no alto da folha assinalava como
seu redator-chefe o Sr. Dr. Lopes Trovão, então ausente do Rio, mas que para
aqui voltando resignou a perigosa honra do jovem Pardal Mallet e a 10 de abril
de 1892, dava-se uma tentativa de sublevação, e no dia imediato promulgava
Floriano Peixoto, o seu primeiro estado de sítio.
Se as exéquias do Sr. Pedro II, a
juízo do Governo, constituem um perigo para a estabilidade das instituições
republicanas, o que ao mesmo Governo competia era declará-lo francamente,
proibindo-as, caso em que nenhum dos honrados membros da comissão, muito dos
quais já foram homens políticos, duvidaria obedecer às ordens da autoridade.
Permiti-las, porém, e tolerar que sob as vistas do Ministério se arme um grupo
de fanáticos para perturbá-las, revivendo no regime da “legalidade” o processo
dos suspeitos”, certamente importa no mais formal descrédito da
respeitabilidade governamental e dos nossos foros de Nação regida
constitucionalmente.
Em verdade, tendo o “Jornal do
Commercio” atribuído justas e graves censuras ao ministro interino da Fazenda,
Major Serzedelo Corrêa, relativamente à cunhagem de moedas de níquel, em cujo
fabrico não se observavam as prescrições legais, e que portanto eram falsas,
logo, em boletins afixados nas esquinas, foi o povo convidado para uma reunião
no Largo de São Francisco de Paula, a fim de “exigir as satisfações que o
artigo do “Jornal do Commercio” estava a reclamar”.
Realizou-se efetivamente a reunião,
com aquiescência da policia; depois do que um grupo, não pouco numeroso,
dirigiu-se à redação daquele órgão e ali, numa entrevista menos amistosa,
haveria provocado conflito, se não tivera sido a calma, aliás digna, dos
jornalistas ameaçados, ao mesmo tempo injuriosos pasquins se pregavam por toda
a Rua do Ouvidor relembrando triste fato da mocidade de um dos próceres do
“Jornal do Commercio”. O Governo tumultuava e pasquinava, impaciente de
censuras.
Mas não era tudo, ou antes ainda
faltava o pior.
Rebentou a revolta naval, a 6 de
setembro de 1893.
Longe de nós a temerária pretensão de
divagarmos sobre esse campo de carnificina, onde com muito mais verdade que no
teatro de outras lutas menos ferozes, entristecidos avistamos os “lagos de
sangue, tépidos, impuros”, a que alude o épico do “Uruguai”.
Em tão medonha conflagração
compreende-se o que teria sido a imprensa. Quando Congresso, povo,
funcionalismo, operários, clero, magistratura, corporações docentes, comércio e
indústria, tudo enfim, flexível se vergava sob a dura luva de ferro do
Vice-presidente, investido de todos os poderes, “inclusive” de fuzilar
paisanos, que odioso decreto equiparava aos militares para a sumária punição
dos implicados na revolta da Esquadra, bem se deixa ver como não se dobraria o
jornalismo, a quem uma República de cinco anos incompletos já desensinara a
soberbia de outros tempos.
Nem mesmo se lhe deixou a liberdade
do noticiário sem comentários e era considerada sediciosa a notícia de
qualquer desastre das forças do Governo. Intimado por um delegado de polícia
para submeter-se a tal regime, o “Jornal do Commercio” declarou que de então
por diante se absteria de ocupar-se com as operações militares que se estavam a
realizar na baía do Rio de Janeiro e em suas cercanias. Nada mais razoável,
desde que lhe não deixavam dizer as coisas como eram: mas bastou para que de
temível perseguição começasse a ser objeto o seu proprietário e chefe, Dr. José
Carlos Rodrigues, que só não foi preso graças ao asilo que se lhe deparou no
humanitário lar de nobre estrangeiro, o Engenheiro Antonio Jannuzzi.
Mais tarde manobrou o Governo de Floriano
para se apoderar do grande órgão, servindo-se para isto do Banco da República,
a cuja testa se achava o Sr. Rangel Pestana, e que era um dos credores do
“Jornal do Commercio”, mas um empréstimo público, rapidamente coberto, e talvez
também certa rivalidade entre próceres republicanos, cada um dos quais porfiava
em dirigir a opinião sob o liberalíssimo regime do Marechal-de-ferro, puseram
óbices a essa indigna tentativa, que aliás ao Sr. Rodrigues parece ter
ensinado, não o horror da tirania, mas a conveniência de tê-lo por suserana.
A “Gazeta de Noticias” que, consoante
ao processo de vime da fábula, vivia acurvada desde os primeiros sopros do
tufão revolucionário, apesar do máximo zelo que punha em não desagradar ao
tirano, passou pelo desgosto de ver suspensa sua publicação, por ordem
superior, de 27 de novembro de 1893 ao 1º de janeiro do ano seguinte.
Já em 27 de setembro tinha o Governo
proibido que se imprimissem o “Correio da Tarde” e a “Gazeta da Tarde”. A 30
de novembro chegava ao “Echo du Brésil” a intimação do silêncio. Igual sorte
houveram o “Apóstolo” e o “Rio News”, que nobremente haviam cumprido seu
dever, aquele destruindo as aleivosas balelas de “O Paiz”, e o outro revelando
ao mundo o que da liberdade se fizera neste canto da América. Nestas páginas de
tantas ignomínias devem ficar assinalados, como de homens independentes, os
nomes do padre Loreto, hoje falecido, e do Sr. Lamoureux, redatores que foram
dos citados periódicos. O “Rio News” foi suspenso a 6 de dezembro de 1893; e o
“Apóstolo”, depois de alguma interrupção, pertinaz reaparecia sob o titulo
“Estreila”, posto que amordaçado, como não podia deixar de ser. Tripudiava o
liberalismo republicano. Para onde quer que lançasse os olhos, o Governo
sucessor do de Pedro II só via lábios grudados pelo medo, frontes submissas, e
jornalistas coactos ou genuflexos.
Para legalizar esse belo estado de
coisas foi expedido o Decreto nº 1565 de 13 de outubro de 1893, referendado
pelo Dr. Fernando Lobo, e tendo por fim regular a liberdade de imprensa durante
o estado de sítio. Por suprema irrisão dispunha o art.1º, que era livre a
manifestação do pensamento pela imprensa, sendo garantida a propaganda de
qualquer doutrina, mas logo vinham os parágrafos explicativos das restrições.
Ficou sendo proibido:
Fazer publicações que incitassem a
agressão estrangeira, ou pudessem aumentar a comoção interna e excitar a
desordem; defender qualquer ato contrário à independência, integridade e
dignidade da Pátria, à Constituição da República e forma de governo, ao livre
exercício dos poderes políticos, à segurança interna da República, à
tranqüilidade pública; publicar a respeito da revolta da Esquadra, notícias que
não tivessem sido comunicadas pelo Governo Constitucional, ou que não tivessem
essa origem; comunicar ou publicar documentos, planos, desenhos e quaisquer
informações com relação ao material ou pessoal de guerra, às fortificações e às
operações e movimentos militares da União ou dos estados; e apregoar as
notícias, fatos ou assuntos, verdadeiros ou falsos, contidos nas publicações
que se oferecessem à venda ou se distribuíssem gratuitamente.
Com tal sistema não havia remédio
senão pensar como o Governo, e o rigor na execução dessas medidas assegurava a
mais patética unanimidade.
No meio de tudo isto atulhavam-se os
cárceres e entre os inúmeros detentos figuravam não poucos homens de imprensa.
Na Casa de Correção, transformada por decreto em prisão política ou Bastilha da
República, estiveram, por exemplo, o gerente da Cidade do Rio Arthur Reynaldo
Guimarães; Baldomero Carqueja Fuentes, repórter do Jornal do Commercio; o
General-de-brigada Honorato Cândido Ferreira Caídas, arrastado à cadeia por
causa de um artigo que estampara na “Cidade do Rio”, Cássio A. Farinha, João
Ferreira Serpa Júnior, Luiz Ferreira de Moura Brito, proprietário da Gazeta da
Tarde, e muitíssimos outros.
Os que a tempo conseguiam escapar,
viviam homiziados como grandes criminosos. A casa do Sr. Antônio Jannuzzi,
conceituadíssimo arquiteto italiano, foi varejada por suspeitar-se que lá se
escondera um jornalista, e o digno estrangeiro teve de explicar-se perante a
polícia, onde a sua hombridade lhe tivera valido amargos dissabores, se não o
amparasse a condição de notável estrangeiro.
Outros corriam para fora do Brasil,
buscando na Europa ou na Argentina a segurança que lhe era denegada na antiga
Pátria da liberdade da imprensa. O Sr. Rui Barbosa, coagido a ocultar-se para
salvar a vida, e casualmente sob o mesmo teto a que também se acolhera outro
homem de imprensa, o Sr. Aníbal Falcão, teve de pedir abrigo à legação inglesa,
que desumanamente recusou, e a uma nação americana, que lhe facultou os meios
de passar-se à República Argentina.
E razão de sobra havia para que assim
à perseguição se subtraissem os suspeitos, porque na praia de Sepetiba foi
“legalmente” assassinado um pobre homem, cujo único crime consistia em sua
semelhança fisionômica com o Sr. José do Patrocínio, a quem raivosamente
procuravam por toda parte; nem jamais oficialmente se explicou que fim teve
Plácido de Abreu, que a tradição popular diz haver sido covardemente
assassinado no Campinho, para onde fora levado como prisioneiro.
O que vicejava alimentada pela
sangueira e pelas emissões clandestinas de papel-moeda, era a imprensa réptil
cuja violência de linguagem excedera todos os limites.
“Essa imprensa — expõe o Sr. Dr.
Joaquim Nabuco — excluídas pequenas folhas, era composta do Paiz, do Tempo e do
Diário de Notícias. Este último, pouco lido, não exercia influência alguma.
Alguns de seus números são, entretanto, preciosos espécimes da literatura
revolucionária da época. . . O Tempo, de maior circulação, escrito com estilo
Fouquier, Tinville e Pêre Duchêne, representava o elemento forcené da situação.
Neste último órgão, um desatinado
cuja insensatez deveria terminar pelo atentado de 5 de novembro de 1897, o
famoso Deocleciano Martyr, estampava diariamente listas de suspeitos que
destarte, indigitava aos beleguins do Marechal ou à fúria homicida dos
patriotas. Nem se guardavam deferências para com as senhoras: no citado livro
do Sr. J. Nabuco recorda-se o trecho de um artigo do Diário de Notícias, onde o
Sr. Dr. Lopes Trovão sugeriu a idéia de trucidar-se a Ex.ma Sra. Maria
Antonietta Saldanha da Gama, por ser cunhada do contra-almirante revoltoso, e
homônima da malograda esposa de Luiz XVI.
A “nota de timbre intelectual” no
meio desse coro de “vozes roucas e estridentes” foi reconhecida pelo Sr. J.
Nabuco no estilo do Sr. Eduardo Salamonde, que lhe mereceu uma página de fina
crítica literária. Para o nosso intuito não servem tais apuros de criticismo.
Sabemos todos que dos criptogramas alguns há que ostentam variegados matizes e
contextura delicadíssima. Demais ninguém vá com isso iludir-se acreditando,
sob palavra, no aticismo do português de nascimento que punha sua pena ao
serviço do nativismo antilusitano. De Latino Coelho disse alguém que ele era um
estilo à procura de um assunto. Do principal redator de O Paiz, nessa época
(não aludimos ao decadente e já eclipsado Q. Bocaiuva) o mais que se pode
adiantar é que tem sido uma frase à cata de uma tirania.
Quando na pavorosa entrosagem dos
“estados de sítio” já tinham sido esmagadas todas as veleidades de resistência;
quando, suprimida a imprensa e toda e qualquer liberdade de pensamento a
dignidade nacional descera muito abaixo dos antigos escravos sob os mais rudes
fazendeiros; quando a delação transformada em meio de vida acabara por
conspurcar mesmo a dulcíssima confiança da vida em família; finalmente, quando,
muito a contragosto, Floriano Peixoto transmitia o Poder ao Sr. Prudente de Moraes, revelando todo o seu
despeito na postergação das mais elementares demonstrações de cortesia— a Nação
respirou como quem acorda de um pesadelo, e timidamente entraram a gorjear nas
ramagens os pássaros do jornalismo, ainda receosos do gavião que tomara o vôo.
Iniciava-se o primeiro Governo Civil
da República: mas estava escrito que para a liberdade de imprensa não valeria
mais do que os outros.
A
República em todas as suas fases tem sido a perseguição da imprensa. Aquela
bandeira imposta pela violência é um símbolo. Pela escalada e pelos discursos é
que esta democracia pretende vencer a opinião pública.
Joaquim Nabuco
Palavras de Joaquim
Nabuco em relação à Imprensa:
“Essa imprensa,
excluídas pequenas folhas, era composta do “Paiz”, do “Tempo” e do “Diário de
Notícias”. Este último, pouco lido, não exercia influência alguma. Alguns de
seus números são, entretanto, preciosos espécimes da literatura revolucionária da
época”.
D. Pedro II sempre fez questão de
que a imprensa fosse livre. Ela devia ser combatida por meio da própria
imprensa, e não a fazendo calar: “Os seus abusos, puna-os a lei, a qual não
convém que continue ineficaz, como até agora”.
Em 1871, antes de viajar para a
Europa, D. Pedro II escreveu algumas instruções para sua filha, a Princesa
Isabel, que assumiria a Regência durante a sua ausência. Aí se encontram
observações sobre a liberdade de imprensa, com o seguinte teor: “Entendo que se
deve permitir toda a liberdade nestas manifestações da imprensa e de qualquer
outro meio de exprimir opiniões, quando não se dêem perturbações da
tranqüilidade pública, pois as doutrinas expendidas nessas manifestações
pacíficas, ou se combatem por seu excesso ou por meios semelhantes, menos no
excesso. Os ataques ao Imperador, quando ele tem consciência de haver procurado
proceder bem, não devem ser considerados pessoais, mas apenas manejo ou
desabafo partidário”.
O desvelo do Imperador pela
integral observância da liberdade de imprensa, como de algumas outras
liberdades que ele desejava assegurar com a mais escrupulosa meticulosidade,
valeram-lhe naturalmente aplausos calorosos de personalidades públicas e
privadas afeitas aos princípios do liberalismo. Mas causaram também desacordo e
até estranheza da parte de outras personalidades, que argumentavam, com base em
numerosos exemplos históricos, em favor de uma aplicação comedida dos
princípios constitucionais de inspiração liberal. Pelo seu procedimento
liberal, D Pedro II recebeu a alcunha de “Pedro Banana”.
Foi o Segundo Reinado, da
maioridade à república, o único período da história pátria em que a imprensa
exerceu a sua missão sem entraves preparados para lhe cercear ou suprimir
legalmente a liberdade. Quem ler as coleções de jornais antigos da Biblioteca
Nacional, chegará à conclusão de que nunca a imprensa gozou de tanta liberdade
como durante o longo reinado de D. Pedro II.
Com a república,
encerrou-se um período único na história da imprensa brasileira, pois em 49
anos de reinado, não houve estado de sítio nem se votou qualquer lei especial
contra a liberdade de imprensa, isso porque D. Pedro II não o permitiu. Caberia
à república criar peias às liberdades que a monarquia amparou, protegeu e
preservou, dando prova de que isso é possível, e de que, mesmo com a aparência
de um erro, pode uma sociedade organizar-se, viver e engrandecer-se sem o
recurso à violência, à tirania ou à ilegalidade.
“JORNAL DO BRASIL” em 08 de dezembro de 1891
Pelo jornalista
republicano José Veríssimo:
“Neste País, todos os
que têm a honra de empunhar uma pena convencida e honesta por modesta que seja,
reconhecerão que jamais, durante o longo reinado, tiveram que deixá-la cair por
falta de liberdade, ou sequer de iludir ou velar o seu pensamento. Todos
pensávamos como queríamos, e dizíamos o que pensávamos”.
A partir do dia 01 de
outubro de 1893 até o dia 14 de novembro de 1894, véspera da posse de Prudente
de Morais na Presidência da República, o “Jornal do Brasil” deixou de circular,
em virtude de censura imposta pelo governo do Vice-Presidente da República,
Marechal Floriano Peixoto, porque o Governo achava que o Jornal era favorável à
“Revolta da Armada”, movimento militar irrompido a 06 de setembro de 1893,
contra o ditador Floriano Peixoto, e cujos participantes foram clientes de um
“Habeas Corpus”, impetrado por seu Diretor, Ruy Barbosa, que primeiramente se
exilou na Argentina e depois na Inglaterra, só retornando ao Brasil em
1895.
“Gazeta de Notícias”
O redator-chefe,
Ferreira Júnior, afirmou:
“Em nenhum país se
poderia achar mais liberdade que as que de fato existem no Brasil. Tudo é
lícito dizer na imprensa, na tribuna, contra a política, contra a Magistratura,
contra o Governo, contra o Imperador. Há leis contra o abuso destas liberdades,
mas essas leis nunca regularmente se aplicam, e para muitos casos não há leis
especiais”.
“Jornal do Comércio”
Proposta do
redator-chefe
“Aqueles que nos
últimos quarenta anos têm vivido na imprensa, não deixarão de pedir que se lhes
reserve espaço na lápide comemorativa para que possam gravar esta verdade –
Nunca a livre expressão do pensamento, a liberdade da imprensa, teve mais
convencido, mais enérgico, mais constante defensor do que o Imperador do
Brasil, D. Pedro II”.
Jornalista Carlos de Laet
Afirmação do Jornalista
Carlos de Laet por ocasião
da implantação da República
“Estendeu-se sobre o País um
enorme emplastro adesivo”.
Para explicar a adesão de antigos e
zelosos monarquistas ao novo governo.
D. Pedro II
Observação à afirmação do Jornalista Carlos de Laet
“Isso que ora se dá em nossa Pátria, sempre se
deu e se há de dar em todos os séculos e em todas as nações. Que sol nascente
deixou jamais de produzir calor e movimento? Deve-se julgar os homens pelo que
eles são realmente, e não pelo que desejamos ou sonhamos que sejam. Feliz a
consciência onde a recordação de todos os atos de um simples dia, calmo e
normal, não projetar alguma sombra de dúvida! O novo regime surgiu revestido de
aparato, apoiado na força pública, rico de recursos que lhe deixamos, fértil em
esperanças e valiosas promessas. O modo inopinado como a mudança se efetuou
feriu as imaginações, atribuindo-lhe foros de maravilhoso. Daí o magnetismo que
ele exerce, perfeitamente explicável”.
Ruy Barbosa e a
República
Homenagem do “Jornal do Commercio em
1895
Ao retornar do exílio
Afirmações do Estadista Ruy Barbosa
na ocasião:
“Nunca advoguei a
república. Antes a declarei intempestiva”.
Sinceramente
monarquista era eu, a esse tempo. Não por admitir preexcelências formais desse
ao outro sistema de governo, mas porque a Monarquia Parlamentar, lealmente observada,
encerra em si todas as virtudes preconizadas, sem o grande mal da República, o
seu mal inevitável”.
Em relação à República
Presidencialista diz Rui Barbosa:
“Obrigado a
escolher para a república inevitável, a
mais satisfatória das formas, há um regímen, ao qual eu não daria jamais o meu
voto, porque esse é o mais tirânico e o mais desastroso dos regimes conhecidos:
a República Presidencial com a onipotência do Congresso; o arbítrio do Poder
Executivo, apoiado na irresponsabilidade das maiorias políticas; a situação
autocrática, em que se coloca, neste sistema, o Chefe do Estado, se ao seu
poder e aos dos partidos que ele encarna se não opuser a majestade inviolável
da Constituição escrita, interpretada, em última alçada, por uma magistratura
independente”.
Campanha eleitoral de
1919
Apreciações severíssimas à República Presidencialista
“Outros tempos
desbancaram o ranço dessas futilidades. As belezas do presidencialismo
brasileiro escorraçaram dos augustos laboratórios da legislação republicana o talento, a
eloqüência e a verdade, baixaram, de legislatura em legislatura, naqueles
recintos consagrados à caricatura de soberania nacional, o nível da capacidade
e do decoro, da independência e da respeitabilidade, poluíram a vida
parlamentar de chagas inconfessáveis, de segredos tenebrosos, de pústulas
vergonhosas e máculas sem nome.
Mas a nossa revolução
estabeleceu o silêncio. A República aferrolhou, trancou, e chapeou a porta, por
onde entrara, não sei se para que por ela também a não pusessem, algum dia, no
olho da rua. As formas do novo regímen mataram a palavra. Deixaram o mecanismo
das instituições legislativas. Mas, acastelando o governo em um sistema cabal
de irresponsabilidade, emancipando-o totalmente dos freios parlamentares,
reduziram a tribuna a um simulacro de locutório, insulado no vazio.
A Nação não houve o que
dali se diz; porque o que dali se diz, não tendo autoridade alguma, nenhum
prestígio, nenhum eco, nenhuma repercussão pode ter. Com o governo parlamentar
as Câmaras Legislativas constituem uma escola. Com o Presidencialismo, uma
praça de negócios”.
Liga de Defesa Nacional
Discurso de 14 de dezembro de 1920
Ao discursar em 14 de
dezembro de 1920 na sede da Liga de Defesa Nacional, Rui Barbosa, que trinta
anos antes redigira o decreto de banimento da Família Imperial, faz um discurso
de louvor ao ex-Imperador, que volta a chamar de D. Pedro II e neste discurso, chama
a revolução republicana de ditadura de 15 de novembro.
“Esses aplausos não são
tão-somente meus. Uma voz da alma energicamente me diz que são também dos meus
companheiros na ditadura de 15 de novembro. Eles asseguram presentemente a
revogação desse ato obedecendo à justiça como assinaram outrora a sua
decretação (o banimento) obedecendo à necessidade. O banimento do senhor D.
Pedro II e dos seus não foi um ato de proscrição. Foi um elemento de segurança
para as cabeças do regime extinto. Não era, porém, lícito segregá-lo da Pátria,
senão enquanto estivesse por se consolidar o novo regime. Muito há que ele se
acha consolidado. Há muito, portanto que se devia ter dado essa reparação.
Tardou. Os partidos, os políticos lhe recusaram tirando-lhe assim ao seu Rei a
mais gloriosa das coroas”.
Monteiro Lobato e a República
Monteiro Lobato também
deixou à posteridade documentos que dizem respeito ao regime instalado no
Brasil em 15 de novembro de 1889 e um deles é citado abaixo:
“A 2 de dezembro
nasceu, a 5 de dezembro faleceu D. Pedro II. Quem foi este homem que não deixou
lembranças neste País? Apenas um Imperador que reinou apenas durante 50
anos...Tirano? Despótico? Equiparável a qualquer facínora coroado? Não. Apenas
a Marco Aurélio.
A velha dinastia
bragantina alcançou com ele esse apogeu de valor mental e moral que já brilhou
em Roma, na família Antonina, com o advento de Marco Aurélio. Só lá, nesse
período feliz da vida romana, é que se nos depara o sósia moral de D. Pedro II.
O fato de existir na
cúspide da sociedade um símbolo vivo e ativo da honestidade, do equilíbrio, da
moderação, da honra e do dever, bastava para inocular no País em formação o
vírus das melhores virtudes cívicas.
O Juiz era honesto, se
não por injunções da própria consciência, pela presença da honestidade no
Trono. O político visava o bem comum, se não por determinismo de virtudes
pessoais, pela influencia catalítica da virtude imperial. As minorias
respiravam, a oposição possibilitava-se: o chefe permanente das oposições
estava no trono. A justiça era um fato: havia no trono um juiz supremo e
incorruptível. O peculatário, o defraudador, o político negocista, o juiz
venal, o soldado covarde, o funcionário relapso, o mau cidadão, enfim, e mau
por força de pendores congeniais, passava, muitas vezes, a vida inteira sem
incidir num só deslize. A natureza o propelia ao crime, ao abuso, à extorsão, à
violência, à iniquidade – mas sofreava as rédeas aos maus instintos a simples
presença da equidade e da justiça no Trono.
Ignorávamos isso na
Monarquia.
Foi preciso que viesse
a República, e que alijasse do Trono a força catalítica para patentear-se bem
claro o curioso fenômeno.
A mesma gente, o mesmo
Juiz, o mesmo político, o mesmo soldado, o mesmo funcionário até 15 de novembro
honesto, bem intencionado, bravo e cumpridor dos deveres, percebendo, na
ausência do imperial freio, ordem de soltura, desaçamaram a alcatéia dos maus
instintos mantidos em quarentena. Daí, o contraste dia a dia mais frisante
entre a vida nacional sob Pedro II e a vida nacional sob qualquer das boas
intenções quadrienais que se revezam na curul republicana.
O “Alagoas” levava a bordo
a luz importuna, a luz que empatava. E começou a revista de ano que há trinta
anos diverte o País.
Que diverte, mas que
envenena.
Que envenena e arruína.
O que havia de
cristalização social dissolve-se, volta ao estado de geléia.
Sucedem-se na cena os
atores, gingam-se as mesmas atitudes, murmuram-se as mesmas mensagens,
reeditam-se eternas promessas.
As cenas do ano de 1900
desenroladas na Capital da República, durante a última epidemia, são “os noves
fora nada” da obra de 15 de novembro. A máquina governamental, caríssima, não
funciona nos momentos de crise. Não é feita para funcionar, senão para sugar
com fúria acarina o corpo doente do animal empolgado.
De norte a sul o povo
lamuria a sua desgraça e chora envergonhado o que perdeu”.
Atanagildo Barata
Ribeiro
Poeta, Escritor,
Professor e
Oficial da Marinha de
Guerra
O Oficial da Armada
Imperial e Engenheiro Construtor Naval, Atanagildo Barata Ribeiro, declarado
Guarda-marinha em 04 de dezembro de 1866, combatente da Guerra do Paraguai e
agraciado no grau de Cavaleiro, com o Hábito da Imperial Ordem da Rosa, medalha
da Campanha do Paraguai e a medalha de Alto Valor e Constância da República
Argentina e várias outras pela sua atuação nesta guerra, cita em seu livro
escrito na prisão em 1894, e editado em 1895, “Sonho no Cárcere”, o seguinte:
“As revoluções... são
sempre o procduto genuíno dos mais nobres sentimentos, brado legítimo de
protesto contra as mais nefastas tyrannias...Foram dellas que nasceram as
sábias reformas procdutoras dos progressos humanos... e as Constituições, que
robusteceram os organismos populares...foi por sua vez dellas que se originaram
todas as tyirannias e foi também de seu seio que foram atirados à face das Nações os monstros executores de attentados e
crimes que tem enlameado certas épocas da história da humanidade!...nasceram as
inquisições e anarchismos, que tem depauperado os organismos populares...
O Brazil nunca passou
nem está passando por uma revolução popular; mas tão somente por uma
fermentação do gênero destas, e conseqüentemente das mais nocivas ao seu
desenvolvimento material e moral!..Se este povo, portanto, manteve-se com certa decência affectando
virtudes que não possuía ou comprehendia foi devido à superioridade de espírito
do Monarca, que pelo facto casual, mas para elle desastrado, de ter n’este,
deserto da América do sul, teve a loucura de dedicar-lhe uma existência inteira
de affectos, trabalhando para o seu progresso e felicidade, ensinando-lhe o
caminho da honra pelo exemplo da mais ilibada probidade e pelo exercício das
mais acrisoladas virtudes!
Esse estado de coisas,
porem não podia durar muito. Os soffrimentos desse nobre ancião, obrigando-o a
ausentar-se da Pátria por longos períodos de tempo, foi pouco a pouco
entregando este povo aos seus próprios instinctos...à futura Imperante, que
infelizmente ainda não detinha as energias necessárias a que tem o dever de
assumir tão culminante posição social... Enfraquecido pela moléstia... o desrespeito a esse direito foi a porta aberta a todos os abusos, a todas as offensas
à Lei e à Justiça...foi então que até os Ministros da Regência começaram a
commetter actos que se não peccavam francamente deshonestos, causavam pelo
menos esse geral reparo e indignação que soem attrahir sobre si as acções
governamentaes a que deichou de presidir toda lisura.
Foi então que os Corpos
Militares, que tinham a pretensão de representar a supremacia nacional e de
serem seus únicos deffensores, começaram também a se impor aos governos... das
mais absurdas exigências ao poder público... foi abdicando vergonhosamente de
suas prerrogativas, com grande prejuízo para sua força moral...Há muito
finalmente que o abuso de uma mal definida liberdade, habituando o
povo...impellira-o insensível e fatalmente ao estado de anarchia, para repressão da qual torna-se quase sempre
indispensável aos governos adoptar o funesto e selvagem regimem do despotismo!
Foi n’esse estado geral
de exarcebação de espíritos, que foi chamado para tomar conta das rédeas do
governo um dos nossos mais illustrados estadistas, o Exmo. Sr. Visconde de Ouro
Preto. Para tanto sobravam-lhe certamente o prestigio que lhe davam seus
ennumeráveis serviços públicos e a robustez de sua intellectualidade e
conhecimento, os quaes o haviam imposto à Coroa para tão culminante posição
social;e sobravam-lhe ainda a energia que emana da consciência de uma vida
dedicada ao exercício de todas as virtudes cívicas; mas faltavam-lhe por sua
vez o machiavelismo e a calma, indispensáveis para o estabelecimento da única
força que poderia então abafar os desmandos da época-a temporização.-
Ouro Preto não era,
portanto, o estadista talhado para aquelle período de effevercência moral.
Abafar o problema
social que se ia avolumando, por uma solução ao
prompta ao problema financeiro que o havia despertado, devia ser e foi
incontestavelmente o primeiro cuidado d’esse notável estadista.
Era, porem, tarde demais.
O pequeno núcleo de
republicanos que existia, não podia deixar passar o momento feliz da
fermentação que se elaborava no seio do povo, e que procurava robustecer
insuflando contra os governos as iras das guarnições militares d’esta Capital.
Entre elles, alguns desejavam, é certo, a república pela república, mas queriam-na feita pelo povo, e quando pela
marcha natural dos acontecimentos terminasse o segundo reinado: são os ainda
perfeitamente reconhecíveis pelos paletós surrados com que os veio encontrar
este- novo estado de coisas- a que outros que almejavam-na pelo amor ao poder e aos cofres da nação
denominaram impropriamente de “República”- esses illustres desconhecidos de
todos os tempos e de todos os partidos, e actualmente os homens notáveis, os
influentes políticos, os capitalistas da época, esses enfim, que a queriam a
todo transe , mesmo quando, levantada como foi, sobre a lápide ensangüentada do
brasileiro que mais amor e sacrifícios dispensou a este país, - o Sr. D.Pedro
de Alcântara...O movimento de 15 de novembro de 1889, portanto, que só fora
combinado para derribar um ministério que havia incorrido no desagrado da força
armada, não podia parar n’isso, e por isso que não satisfazia as ambições dos
pregadores d’esses direitos e liberdades populares!
Era mister banir na
Nação, aquelle que sem se ter jamais intitulado- guarda do thesouro- não
permittia contudo que o assaltassem, pela força que resultava de sua ilibada
conduta e de suas virtudes cívicas...Estava triunphante a almejada república
dos... novos guardas do thesouro, dos restauradores, enfim, da fortuna pública!
Deodoro
era o seu presidente, dirigia-lhe os Negócios do Interior o immortal
Aristides Lobo; Bocayuva e Glycério retalhavam o corpo d’este excelso
gigante e outros finalmente sugavam-lhe o sangue!...Desde a queda da dictadura
Deodoro, que se converteu o governo em verdadeira-Calamidade Nacional-
merecendo, portanto, não só a execração pública, mas a todo o mundo civilizado!
O regimem do despotismo iniciado pela
usurpação do cargo de Presidente da República, e aliás sanccionado por uma
câmara de inconscientes, continuou sua marcha triumphal pelos Estados, com exclusão
do Estado do Pará, derrubando a ferro e fogo, Governadores, Constituições e
Corpos Legislativos e Judiciários e accentuou-se mais desfaçadamente
reformando, ao primeiro brado de indignação, os treze Officiaes Generaes do Exército e
Marinha, authores d’elle, e deportando-os mais tarde, conjunctamente com
alguns representantes da Nação (10 de abril), sob pretexto de uma revolução que
“coube toda n’um bond”, como tão bem a definiu o Senador Dr. Ruy Barbosa.
Pouco depois explodiu a
heróica Revolução do Rio Grande do Sul, e por último a da Esquadra em 6 de
setembro de 1893, que determinou o contínuo estado de sítio, durante o qual se
desenvolveu a série de attentados de que o público só teve uma noção vaga, por
terem sido as folhas que criticavam o Governo, ou suspensas, ou reduzidas a
publicarem somente o que lhes permittisse a Polícia; e só ficarem campeando as
únicas mantidas pelo erário público para endeosarem os crimes do Governo! ”
“Gazeta da Tarde”
Carta publicada em 13
de julho de 1895
De
Atanagildo Barata Ribeiro para o proprietário do Jornal
Em 7 de julho de 1895, o então
Primeiro Tenente da Armada Imperial Atanagildo Barata Ribeiro, em carta
dirigida ao proprietário do Jornal “Gazeta da Tarde”, seu companheiro de
prisão, Sr. Moura Brito, a qual foi publicada em 13 do mesmo mês, relata a
tristeza pelo passamento do Almirante Luis Felipe de Saldanha da Gama.
“Meu caro amigo e companheiro de
infortúnio Sr. Moura Brito.
Quando a dor me avassala o espírito,
embota-me também a mentalidade.
O passamento de Saldanha da Gama
abismou-me o espírito. O amigo bem sabe que eu não tinha somente a prantear
pelo grande herói caído como um atleta, coberto de glórias no campo de batalha,
e como sempre ilesa a honra de soldado. Meu coração não tinha de enlutar-se
somente pela perda do ilustre guerreiro que, depois dos combates, ia pensar com
toda a caridade e gentileza seus prisioneiros feridos, com o olhar sempre
empanado pelo pranto que ao mesmo tempo derramava sobre a memória daqueles que
inditosamente caiam prisioneiros das forças “legais”, e cujo fim era o
assassinato irresponsável.
Não era somente por uma glória da
Marinha de Guerra que eu, como companheiro de classe, tinha de carpir; nem finalmente
pelo irmão nas lutas contra o Governo do Paraguai, ou mesmo pelo Marinheiro que
constituiria uma honra para qualquer marinha do universo, ou pelo filho, adorno
de qualquer mãe Pátria, que devia sangrar-me o coração como brasileiro, ao ver
desaparecer para sempre da face da terra o cavalheiro e soldado, o invencível
Almirante Luiz Felipe de Saldanha da Gama.
Não: um outro sentimento, menos
grande talvez, porém ao certo mais delicado e terno, enviuvou-me o espírito,
empanou-me as luzes do cérebro, saudade dolorida de um companheiro e velho
camarada de infância, a que o coração se habituara a amar com felicidade, como
a um irmão, pela delicadeza do trato, pela nobreza nas ações e pela magnitude
na nobreza.
Era mister, portanto, carpi-lo e
muito. Era mister ver-lhe o níveo sepulcro regado, como tive a ventura de o
ver, pelo pranto de quanto há de nobre nesta nossa inditosa Pátria, para que,
um pouco apaziguado em minha dor, voltasse-me, como ora me volta, a faculdade
de ação, para poder assim dirigir ao amigo a presente, com que viso dois
intuitos bem diferentes, mas complementares, protestar contra o que de
inverdade com que mais uma vez, abusando-se da geral consternação, se pretendeu
iludir esta população e lançar sobre a memória de Saldanha da Gama, mais uma
lágrima sincera e sentida, ambos, protesto e lágrima ser-lhe-ão gratos.
É simples o protesto:
Em trabalho que brevemente darei à
publicidade, claramente demonstro que o número de Oficiais da Armada que
pegaram em armas para defender o Governo do Marechal Floriano Peixoto não
excedeu de sete por cento proximamente de sua totalidade e no entanto o “O
Paiz”, descrevendo a cerimônia de transladação do corpo do mesmo Marechal,
afirma que entre as grinaldas que lhe ornavam o féretro, havia uma com a
inscrição – “Da Marinha de Guerra Republicana”!
Pondo de parte a minha
individualidade que, pelo que concerne, quer às crenças políticas quer à
posição de reformado que tenho na Armada atualmente, ficaria dispensada do
presente, pergunto:
Entre os Oficiais que ofertaram essa
grinalda, figurariam acaso os que tomaram parte na revolução de 6 de setembro,
os que se escusaram então a servir ao Governo, e os que estiveram presos, como
eu, na Casa de Correção desta Capital e outros presídios políticos, por
suspeitos de revolucionários ou de adeptos à revolução?!
Sendo certo que não, e uma vez que os
Oficiais que ofertaram tal grinalda, por
modéstia, nobreza d’alma, ou prodigalidade para com os seus companheiros
de classe, tinham resolvido não orná-la, como merecia, com seus dignos e
preclaros nomes, parece-me que, devendo ela exibir-se em público, teria sido
mais lógico que lhe indicassem a origem com o título: Dos Oficiais da Marinha do Marechal Floriano Peixoto, ou melhor ainda, do
Salvador da República, pois que assim evitando-se quaisquer dúvidas,
dar-se-ia, outrossim, a César o que a César de direito.
Nada disso, porém, se tendo dado, sem
dúvida por estarem tão distintos quão bravos Oficiais atravessando uma quadra
de indulgências, é meu dever o presente, pois, se nada tinha que ver no tocante
a modéstia desses ilustres cavalheiros, podia contudo atingir-me imerecidamente
sua prodigalidade, como membro que sou da Marinha de Guerra e filho também desta grande república.
E já que resolvi recolher-me, com
esse protesto, à humildade da minha posição, vem aqui também a propósito
declarar-lhe mais, que esse Dr. Barata Ribeiro, que em santa romaria, lá se foi
por sua vez à casa da família do Marechal Floriano Peixoto para apresentar-lhe
sua condolências pelo passamento de tão grande morto, não é o desconhecido e
obscuro signatário destas linhas.
Eu quando quero venerar a memória de
um ente que prezei a vida, tenho por hábito limitar meu procedimento a assistir
os atos religiosos que se lhe mandam celebrar pelo eterno repouso, e deixando
assim de cumprir a obrigação, ou cerimônia da visita de pêsames, sujeito-me sem
protesto ao epíteto de selvagem, que aliás já pesa sobre mim, por ser oriundo
do Brasil.
Sirva de prova o procedimento que
tive para com a família do meu falecido amigo Saldanha da Gama, a qual, aliás,
era-me talvez mesmo dever a visita a que aludo, quando mais não fosse, para
demonstrar-lhe gratidão pelos carinhos dispensados por aquele seu nobre parente
a um sobrinho meu, filho desse mesmo Dr. Cândido Barata Ribeiro, quando seu
prisioneiro e ferido.
Assim clareada a confusão que por
acaso se pudesse dar sobre o autor de tão caridosa visita, e exarado o meu
protesto relativamente à grinalda, peço ao meu amigo que, dando publicidade a
presente, conceda-me mais o favor de inserir em sua conceituosa Folha os
sonetos juntos, que dedico à memória do meu inditoso irmão de armas, o invicto
Almirante de Saldanha da Gama.
Será mais um favor ao amigo obrigado.
Atanagildo Barata Ribeiro”.
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